A sentença natalina
Vinícius Arré
"Uma palavra e não haverá salvação". Assim dizia o juramento que ecoava na cabeça de Jonas. Era um passo para uma vida diferente, o que exigia sacrifícios. Respirou fundo, tentou pensar em outra coisa, em vão. Levantou-se da cadeira, estava completamente nu e o seu quarto sem o menor sinal de luz, "é meia noite, hora do equilíbrio perfeito", assim ecoava em sua mente. Pegou uma vela e acendeu, foi à cozinha tentando se livrar das vozes que sussurravam em sua cabeça, que vinham de remetente desconhecido e com um conteúdo que ele sabia muito bem do que se tratava.
Vestiu um roupão, se cobriu com um sobretudo e saiu a vagar sem rumo pelas ruas da cidade, buscando os locais mais obscuros para caminhar "apenas a escuridão liberta" pensou.
Jonas era um homem de meia idade, com seu longo cabelo grisalho e uma longa barba preta e branca. Ele é possuidor de muitas riquezas, é um empresário aposentado, um homem que teve sucesso em sua vida, mas não felicidade.
"A felicidade está na dor, é necessário um grande sacrifício para a libertação"
Era por este sacrifício que ele estava procurando agora, ao caminhar pelas ruas. "Um ato diz mais do que qualquer palavra, ainda mais quando é bem executado" pensou ele. Estava andando em uma praça cheia de andarilhos e entre eles, dormia uma pequena garota, "Uma vida insignificante" pensou. Jonas se aproximou da garota que dormia com o silêncio de uma presa prestes a atacar sua vítima. Quando chegou o mais próximo possível, a puxou pelo cabelo, a garota acordou e quando começaria a berrar, já era tarde demais.
Jonas desmaiou-a com um pano umedecido de clorofórmio e arrastou-a pela rua até que chegasse a um beco escuro. “É vinte e quatro de dezembro, as pessoas estão em suas casas e ocupadas demais para se preocuparem com quem não tem importância” pensou ele com um sorriso malicioso e olhando para a menina disse:
-Você nasceu para este sacrifício. – Logo em seguida, soltou uma gargalhada tão assustadora quanto seus pensamentos.
Ele notou que a garota mexia em suas mãos, estava lentamente recuperando sua consciência. Jonas abaixou os olhos para vê-la. Suas pernas estavam sangrando por ele tê-la arrastado durante estes quarteirões. Ele olhou para ela e disse:
- Acorde pequena insignificante, é hora de morrer e eu quero você bem desperta para que possa sentir toda a dor necessária.
Neste momento a garota recuperou totalmente sua consciência.
-Socorro – berrou, quebrando o silêncio da madrugada. Em vão, o que ouvia era apenas o eco de seus gritos.
Em uma mistura de ódio, estase e prazer, Jonas tirou o canivete do bolso e encravou na barriga da pobre garota. Agoniada de dor, não conseguiu gritar.
-Por favor – sussurrou.
- Olhe para mim – berrou o homem
A garota ergueu os olhos cheios de lágrimas e quando foi tentar dizer algo, Jonas tapou sua boca bruscamente e a pressionou contra a parede. Olhando dentro de seus olhos e com um breve sorriso, ele encravou a faca em seu coração e arrancou-o, em um único golpe.
Um som agudo e ensurdecedor invadiu a madrugada. Jonas soltou o corpo da garota no chão, juntamente com a faca e tapou seu ouvido. Surgiu um círculo de luz branca bem a frente dele, a luz era tão forte que chegava a queimar os seus olhos, o que o torturou por não saber qual órgão proteger.
-Como ousa? – Disse a voz de uma mulher.
-Quem está aí? – Perguntou.
-Meu nome não interessa a um lixo como você. Pensa que tem tudo, mas não tem nem o amor de si mesmo. Não vê que seu modo de tratar as coisas só deixou-lhe na companhia da loucura? E ainda por cima matar uma alma inocente? Quem pensa que és?
- Eu não sei – disse o homem, desesperadamente. – V-Você vai me matar?
-Quão pouco seria a morte para ti, há coisas que para o mundo são melhores e para você seria pior que a morte.
-O que? – perguntou o homem chorando desesperadamente.
-A compaixão. A partir de hoje, eu te condeno a praticar a humildade e a igualdade entre as crianças. E para que evites tua loucura, condeno-te a carregar contigo a alma dessa doce criança que mataste.
-Está louca? – Começou a berrar. O que queres que eu faça com essa criança? Não vê que ela é insignificante para todo o mundo?
-A insignificância está em suas palavras, velho e louco homem. Darei-te a sanidade e um voto de confiança, você terá cem anos para provar que merece compaixão. Você estará condenado a ser papai Noel.
-Mas...
-Segure sua língua, ou é isso ou pagará pela eternidade no purgatório.
Jonas de uma vez por todas ficou quieto. O barulho parou e Jonas foi dominado pela luz.
Ele acordou no começo daquele dia. Estava em um lugar completamente estranho para ele, levantou com a voz da garota dizendo:
-Acorde, é hora de pagar.
-Garota... como você dirige a palavra a mim? Depois de tudo o que eu fiz contra ti.
-Eu sabia que aquilo aconteceria, no meu íntimo. É preciso morrer para que se possa viver de verdade. Agora te ajudarei em minha missão de libertar sua pobre alma.
Uma lágrima escorreu pelo rosto de Jonas.
-Olhe suas roupas, há uma carta em cima da mesa para ser lida.
Estava em roupas vermelhas e brancas e misteriosamente seu cabelo e barba estavam em um branco desconhecido que chegava a ser brilhante. Levantou da poltrona em que dormiu e dirigiu-se ao centro da mesa, onde havia uma carta. Em tinta vermelha lia-se:
Caro pagante, saiba que você terá que pagar assim como os papais Noel anteriores a você. Sua missão é simples e clara o bastante para ser deixada em um bilhete como este. Você pagará por cem anos, no entanto sua sentença poderá ser diminuída, caso mereça. Toda sua fortuna será doada para a compra de presentes para crianças, sejam elas ricas ou pobres. Você entregará a elas e será supervisionado a cada instante. Os demais dias do ano, você passará aqui nesta casa que não pode ser vista aos olhos humanos, longe de tudo e todos. Você não necessita de mais instruções, seu espírito guiador te dirá o necessário.
Adeus.
Dessa forma, Jonas pôs-se a vagar pelas madrugadas, praticando bons sentimentos e provocando alegria a todo o tipo de crianças, que deixavam doces, biscoitos e chá que o libertam de sua ganância e davam-no sentimentos de compaixão.
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Os sentimentos natalinos e as atitudes estão dentro de você. Se quer provocar a felicidade, comece agora, por si mesmo. Mas não esqueça de cultivar estes sentimentos pelo resto do ano que se inicia.
Feliz Natal e próspero Ano Novo
Vinícius Arré
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