As Cronicas de Nick, Parte 1 - Presentes infantis



Presentes Infantis
Vinícius Arré


M
ais um dia ensolarado na pacata cidade de Alh. Era meio-dia, 2 de maio de 1998, o último dia de trabalho de Nick. Ele era um agente federal que morava em um bairro de classe média alta da cidade, um homem solitário, sem família e sem lugar para ir, pelo menos por enquanto. Em meio às preocupações do seu passado, assim como a neve cai no campo, seus cabelos loiros estavam envelhecidos; afinal, sua pele estava enrugada... Mas mesmo assim ainda era um homem atraente, com seus olhos azuis, sua pele branca como neve. Já faz quase 40 anos. E ele ainda se culpa...
Ele pegou sua caixa de papéis, saía do quartel às 12h30min, não havia decidido ao certo se deveria ir atrás do grande mistério de sua família.
Em 1957, quando Nick era uma criança, fazia parte de uma família comum, com um irmão, era apenas uma criança. Até que seu pai, um brilhante homem, descobriu algo, que para sempre mudaria suas vidas. Ele não se lembra ao certo do que era ou poderia ser, mas de uma coisa ele sabia, era uma coisa valiosa, tão valiosa que custou a vida de seu pai, sua mãe e seu irmão mais velho. A única coisa que ele se lembra é de apenas um símbolo no ombro direito no braço de um homem: 12ERS, esse era seu símbolo, juntamente com uma cruz de braços iguais. Nick nunca havia descoberto o que ao certo era esse símbolo, mas agora ele descobriria, a qualquer custo... Mesmo que morresse tentando...
Chegou a sua casa, logo em seguida tomou um banho frio, vestiu sua roupa e pegou a sua arma, calibre 38. Preciso começar a busca essa noite, pensou ele, colocando a arma na cintura.
Era noite agora, 22h00min apontava seu pequeno relógio de bolso. Nick estava andando pela cidade, em busca de algo para fazer, até que, de repente, quando passava por um beco escuro, começou a ouvir passos lentos e leves atrás dele. Pareciam de uma mulher. Uma mulher o seguia.
Nick apertou o passo, querendo fugir, mas era tarde demais. A moça pegou em seu braço, com as mãos gélidas, seus olhos castanhos tão escuros quanto o beco que ele encarava. Algo de estranho aconteceu, algo tão ardente como o cabelo cor de fogo da mulher. Ele se calou, sem palavras. Ela apenas disse algo: Eu sei o que você procura. O coração de Nick disparou, e ele, por um momento, não saberia o que sentir.
— Olá, meu nome é Julia, e sei o que está acontecendo.
— Mas, c-como? – questionou Nick, quase sem palavras.
— Minha família passou por uma situação parecida, nós somos o que eles não quiseram.
— Eles? Quem? De que você está falando?
— Eles são um grupo, você deve apenas conhecê-los por 12ERS. Precisamos ir até a minha casa, aqui não é seguro.
— Espere, ao menos me diga como você soube que eu estou atrás disso.
— Nick, há muitas coisas que você ainda vai descobrir, mas por isso vamos com calma – respondeu Julia, com um sorriso sincero.
Seguiram para a zona leste da cidade. Nick não passava por aquela parte da cidade havia anos. Lembrou-se de uma vez que foi assaltado e seu amigo, morto... Pensar nele entristeceu-o.
Chegando a uma pequena porta, situada no meio do quarteirão de lojas, Nick, completamente calado desde o momento em que a havia encontrado, entrou na casa dela. Ao chegar a uma pequena sala, Julia disse para ele se sentar e foi até a cozinha.
Para Nick, poucos minutos pareceram horas, talvez dias, lembrou-se da última vez que viu seu irmão... Os olhos castanhos de sua mãe, o cabelo loiro de seu pai... Nick quis chorar, quis vingá-los até o fim da sua vida... Maldição, por que não me levaram junto? Por que não me levaram no lugar deles?
Quando Julia voltou, entregou a ele uma xícara de café. Nick bebeu. Por um momento sentiu que estava bem mais uma vez, acolhido. Ele agradeceu pelo café, porém, não pode aguentar o choro.
— Não consigo entender como isso aconteceu... Quem seria capaz de matar um homem por ser inteligente? Quem seria capaz de deixar um filho órfão, tendo que procurar recursos de vida com parentes desconhecidos? E por que não me levaram junto com meu irmão? Por que não me levaram no lugar dele? Ele tinha apenas 13 anos, eu apenas 11... Éramos crianças...
— Eles não são justos – respondeu Julia, tentando ser acolhedora. – Você se lembra de algum detalhe? Um rosto, uma cicatriz... Alguma coisa?
— Lembro-me de um uniforme cinzento com listras laranja. E uma sigla... 12ERS. Depois me lembro de falarem que era melhor eu fugir ou eles me matariam... Foi horrível. Por uma semana pensaram que eu havia desaparecido com meus pais... – Nick respirou fundo, depois prosseguiu. – Mas como você sabe disto? Como você sabe que estou à procura dos meus parentes? Tento ser o mais sigiloso possível...
— Porque você estava na lista... A lista de... Ameaças.
— Do que você está falando? Há uma lista?
— Antes preciso te contar. Quando eu tinha 14 anos de idade, meu pai foi admitido para trabalhar como guarda de uma empresa. Não me lembro do nome. Meu pai trabalhou nessa empresa como segurança por um ano. A vida dele havia mudado... Ele mudou seu comportamento conosco. Até que um dia, minha família saiu de férias. Estávamos indo a uma cidade vizinha. A rodovia estava deserta. Quando de repente vi um carro preto com a placa 12ERS. O homem que estava dirigindo... Óculos escuros, pele morena, com uma grande barba, olhou para mim e mostrou-me um cartaz... Vocês estão mortos, traidores.  Tudo o que eu lembro dessa cena para frente é que a minha mãe, que estava do meu lado, abriu a porta e me jogou para fora do carro. Fiquei inconsciente por três semanas até que acordei, sabendo a notícia do acidente de carro fatal da minha família.
— E... Eu sinto muito... – disse Nick tentando confortá-la.
— Já foram muitos anos, para sentir-se mal. Eu não encontrei em lugar algum o homem, ou outros carros com a placa 12ERS. Mas há um mês recebi uma carta de remetente desconhecido. A carta trazia nossos nomes em uma lista, onde, das dez pessoas, apenas nós estamos vivos... Dizendo que era melhor desistirmos antes de começarmos. Disse-me para não me meter com você. Mas nunca esqueci o dia em que o vi o noticiário, em um programa sobre famílias desaparecidas. Então comecei a investigar você. Falei com todos os seus amigos, juraram segredo...
— O recurso da mídia foi a última esperança antes de eu sair procurando. A polícia deixou de lado... Pouco importa se há uma conspiração lá fora.
— Seus pais te deram algo? Uma semana, um dia antes do acidente? Os meus pais deixaram-me um espelho, dizendo que as respostas estão dentro de você, reflita a si mesma, e verá o mundo. Minha mãe deixou-me um par de brincos que era dela. No dia da viagem, estava com ele.
Nick pensou por alguns segundos.
— Lembro-me de um relógio – Respondeu Nick, tirando seu velho relógio de bolso. Esse foi um presente da minha mãe. Quando eu era criança, ela sempre me admirou por procurar, buscar. Sempre tive um dom para ser policial. Então ela me deu o relógio e... Bem, ela disse que eu deveria procurar alguns segredos, segredos do tempo.
— Você tem esse relógio? – perguntou Julia.
— Sim – respondeu Nick, mostrando o relógio em sua mão.
Ótimo! – exclamou Julia, pegando o relógio.
Com um ato súbito, Julia jogou o relógio ao chão, desmontando-o em duas partes. Havia uma pequena tampa lateral, e neste lado, lia-se “12ERS”. Nick ficou hipnotizado... Como ela poderia saber que este relógio poderia se desmontar? Nick resolveu não dar opiniões, afinal em quesito de pensar neste mistério ele estava perdendo feio.
— Isso não faz sentido – disse Julia depois de alguns minutos de silêncio. – No relógio apenas diz “12ERS”, o segredo está em suas mãos... Apenas procure... Procurar? Onde? E também há um número: 132 RST.
— Para mim, isso faz sentido. Minha mãe usava essas siglas para mim... 132 é um número perfeito das letras ACB no alfabeto. Da mesma forma que RST faz um pequeno número. Deixe-me pensar... – Nick suspirou, pegando o relógio da mão de Julia. – Se pensarmos claramente, a resposta está aqui...  Minha mãe me ensinou que a vogal sempre se repete... Então...
— Então a letra A sempre irá se repetir – interrompeu-o Julia.
— Exatamente! Isto significa que... Bem Cabarasta... Que é uma analogia perfeita para...
— Catasbar: o bairro de Lemh, a exatos três dias de distância.
— Exato! Minha mãe nos ajudou... Amanhã podemos nos encontrar pela manhã. Pode ser na rodoviária?
— Sim. Mas eu dirijo.
Naturalmente, Nick iria se opor à decisão de não dirigir. Mas o cansaço tomou conta de seu corpo. Ele não se lembra de porque confiou nela. Mas de alguma forma ele sabe que há algo, no jeito de ela fazer as coisas que não lhe é estranho. Se ele ao menos se lembrasse...
Nick não se lembra de como voltou a sua casa na última noite. A única certeza é de que ele voltou. Tudo de que se lembra é sua madrugada. Dos momentos de insônia. Tudo em sua cabeça estava confuso. O sorriso de Julia, os mistérios que envolvem sua família. Tudo em sua cabeça fazia seu coração disparar. E de uma maneira estranha sentir-se nostálgico por aquilo que, aparentemente, não havia vivido.

***

A manhã surgiu clara e quente, enquanto o relógio de Nick despertava às 9h00min. Levantou sobressaltado, lembrando-se do encontro com Julia. Já eram 9h15min quando ele estava saindo de sua casa. A rodoviária ficava a poucos quarteirões. Chegando lá, encontrou com Julia.  A propósito, a luz do sol a fazia mais bonita. Nick olhou profundo nos seus olhos negros. Se eu pelo menos me lembrasse, pensou ele. Por apenas um momento.
— Vamos indo? – perguntou Julia.
— Sim. É melhor nos apressarmos.
Julia se dirigiu a uma BMW prata. Nick sentiu-se um pouco desconfortável em ter que andar em um carro tão diferente do comum. Quando estavam entrando na rodovia, Júlia tentou puxar assunto com ele:
— Você faz alguma ideia do que seja o 12ERS?
— Não – respondeu Nick, ríspido.
— Bem, eles são uma organização que de uma forma ou outra comanda o nosso mundo. Eles têm a maior tecnologia e o maior dinheiro, mas ao mesmo tempo eles ficam secretos, apenas nos assistindo.
— Como você sabe disso?
— Meu pai era um espião. Sempre pensamos de uma maneira parecida. Ele gostaria de poder trazer essa tecnologia ao mundo, o que é impossível. Geralmente, eles fazem o bem apenas para eles mesmos.
— Como você acha que estes antigos presentes não mudaram?
— Para chegar a uma solução, é necessário arriscar.
Nick ouviu tiros e gritos ao longe. Ao mesmo tempo uma sirene que ele jamais tinha ouvido: um som tão estranho e ensurdecedor ao mesmo tempo. Quando se deu conta, Julia encarou-o e sussurrou: Ah, droga!
Nick pegou sua arma. Com ela em mãos, olhou para trás. O carro preto se aproximava cada vez mais. Então Julia acelerou. Ele mirou e disparou. Um tiro pegou no capô do carro; um segundo, na porta, e finalmente o terceiro no pneu esquerdo. O carro derrapou e capotou, caindo no mar. Nick quis que fossem ajudar, porém, ela o convenceu do contrário.
Nos últimos dias de viagem reinou um silêncio. Nada de interessante foi dito por ambos. O acidente chocara Nick, mas isso não importava mais. Ele assistiu a alguns noticiários na TV e nada foi relatado de acidente. – Eles sabem limpar as coisas – afirmava Julia.
Quando finalmente chegaram à cidade de Lemn, foram a um restaurante, para o pânico de Nick. Ele nunca vira vultos, tampouco havia tido esta sensação antes. Mas desde quando ele entrou nessa cidade, algo de estranho vinha acontecendo com ele. A todo tempo, Nick tinha a sensação de algo o estar perseguindo. Vigiando-o. Não é uma força estranha, por poucos momentos parece familiar, mas na maioria parece mais assustador para ele.
Estranhamente, desde que entrou nos limites da cidade, seu relógio de bolso parou. Eram três horas, quinze minutos e vinte e cinco segundos.
Nick se amedrontara, desde sempre. Porém, ele nunca foi medroso, desta vez o medo seria a última coisa que importaria, pois algo muito estranho acontecia... algo que ele não sabia explicar, apenas temer.
Mesmo com os problemas de diálogo entre ele e Julia, ele precisava contar para alguém. Mesmo que fosse perda de tempo, afinal, poderia não ser o único a se sentir assim.
Quando Julia parou o carro, ele foi à direção dela, inseguro, porém precisando desabafar.
— Julia – disse Nick. – Quando entramos nesta cidade, você não sentiu alguma coisa diferente, como se nós não estivéssemos sozinhos? Como se alguém nos perseguia de uma forma cruel e sem sentido?
— Não – respondeu ela. – Mas por que você se sente assim?
Não sei... É a primeira vez que me sinto assim. Essa sensação me faz lembrar meus pais. Porém, de como se eles não me quisessem por perto...
Antes mesmo de uma oportunidade de responder, quando estavam no restaurante, um homem gritou:
— Telefonema para Nickson.
Um terrível silencio invadiu o restaurante.
— Tem algum Nickson aqui? – o homem no balcão voltou a perguntar.
— Eu me chamo Nick, porém, não creio que este telefonema seja para mim.
— Por favor, senhor, pelo menos atenda.
Nick foi na direção do balcão e atendeu.
— Nick, preciso te encontrar – disse a voz que para ele soava familiar.
Nick sentiu-se em casa de novo, seu irmão lhe ligava. Ele sabia que era...
— Jorge?


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